Nosso Povo

nosso território não é apenas o que foi demarcado nessas terras

Nosso povo chama a si mesmo de A’uwe, mas os waradzu nos chamam Xavante. Nós habitamos as terras à margem do Öwawe, que em português dizem rio das Mortes, desde sua foz no rio Araguaia até as cabeceiras, no estado do Mato Grosso.

Balsa avistada à margem do rio das Mortes pelos funcionários do Serviço de Proteção ao Índio, antes do “contato” com os Xavante (década de 40)]

Os mais velhos nos contam que nós viemos de outra parte, da outra margem de um grande rio. No tempo antigo, nossos antepassados fizeram balsas para cruzar as suas águas. Quando estavam no meio do caminho, um grande boto apareceu e ameaçou virar os nossos botes. Com medo, alguns de nós desistiram de atravessar – assim nos distanciamos dos nossos parentes A’kwe, que os waradzu chamam Xerente.

Então nós fundamos uma grande aldeia, chamada Tsorepré. Dessa aldeia-mãe, saíram as linhagens do povo A’uwe-Xavante que hoje estão espalhadas pela região. Mas nossa terra não é apenas o que foi demarcado pelo governo: há caminhos pela mata que ligam as nossas aldeias, e nos levam aos lugares em que caçamos, pescamos e coletamos os frutos do cerrado.

Nossos avós viviam ao redor deste caminho que acompanhava o nosso rio, mas sonhavam com esse povo diferente que vivia a leste. Eles sabiam que esse povo viria até nós, e que haveria guerra. Os verdadeiros líderes, A’uwe Uptabi, nos prepararam para enfrentar com bordunas e flechas os massacres que os waradzu nos impuseram.

No ano de 1945, os waradzu montaram um posto do Serviço de Proteção ao Índio à beira do rio e, guiados pelo sonho, nossos avós resolveram ir até lá e conversar com eles. Outros A’uwe, também orientadas pelo sonho, buscaram ajuda entre os religiosos. Os waradzu nos fizeram assentar no entorno desses postos e missões, enquanto dividiam as nossas terras.

Com muita luta, conseguimos a demarcação dos nove territórios indígenas, que hoje estão regularizados, registrados e dispostos ao usufruto do povo A’uwe-Xavante. Seguimos lutando pela proteção dessas áreas, mas também pelo que ainda falta ser demarcado.

Estimamos que, hoje, nós A’uwe-Xavante sejamos cerca de 30 mil pessoas.

Rituais de iniciação dos jovens wapté. TI Areões, 2023.